sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Ele tem a força

Marc Benioff, presidente da Salesforce
Marc Benioff, presidente da Salesforce
São Paulo - A trajetória do bilionário americano Marc Benioff, fundador da ­Salesforce, empresa de tecnologia para gestão corporativa, é uma síntese da história recente do Vale do Silício. Como muitos empreendedores da economia digital, ele foi um adolescente-prodígio.
Aos 15 anos, criou sua primeira empresa, especializada em jogos para Atari. Mais tarde, seu primeiro estágio foi na Apple, onde passou a desenvolver soft­wares na divisão Macintosh e acabou se tornando amigo de Steve Jobs. Com apenas 26 anos, no início dos anos 90, já era vice-presidente da empresa de softwares Oracle, outro ícone do Vale do Silício.
No fim dos anos 90, desengavetou seu sonho de empreender e fundou a própria empresa, a Salesforce, que hoje fatura 5 bilhões de dólares. Mesmo depois disso, manteve-se fiel ao figurino nerd — até no quesito baixaria. Há três anos, ele acabou se envolvendo numa discussão pública com Larry Ellison, fundador da Oracle e seu mentor no início da carreira.
Ellison, que foi um dos primeiros investidores da Salesforce e fez parte de seu conselho, disse que boa parte da tecnologia da empresa havia sido construída em cima da Oracle. E acusou o serviço de computação em nuvem da Salesforce de ser não mais do que um “motel bara­to”.(Desde então, os dois já reataram.)
Como todo bilionário de tecnologia que se preze, Benioff segue o estereótipo do empreendedor digital também na vida privada. Pratica meditação e é amigo do guru indiano Deepak Chopra e do músico Stevie Wonder.
O que faz de Benioff um caso único entre seus pares é o fato de ter revolucionado o segmento considerado por muitos um dos mais chatos da vida corporativa, o dos famigerados sistemas de CRM, sigla em inglês para customer relationship management, softwares de gestão para as áreas de mar­keting, vendas e suporte ao cliente.
O principal mérito da Salesforce, considerada a empresa mais inovadora do mundo pela revista americana Forbes, foi ter criado uma ferramenta fácil de usar, com jeitão de Facebook. Nos anos 90, instalar softwares de gestão nas empresas era uma tarefa hercúlea.
As companhias contratavam consultorias para preparar a transição de seus departamentos para uma plataforma que integrasse marketing, vendas e suporte ao cliente. O processo de implantação dos sistemas de CRM virava as empresas do avesso, durava, com frequência, de dois a três anos e exigia investimentos em infraestrutura de servidores.
Esse horizonte começou a mudar com a popularização da computação em nuvem nos anos 2000 e o surgimento de um modelo baseado na assinatura de pacotes de aplicativos. 
Num primeiro momento, as empresas de software — e muitos clientes também — ficaram muito reticentes em re­la­ção ao futuro da nuvem. Entre os problemas falava-se na questão da segurança, uma vez que os dados não ficariam mais armazenados em servidores dentro das próprias empresas.
A Salesforce acreditou que essas dúvidas seriam passageiras, apostou tudo na nuvem e atualmente é a que tem a maior fatia do mercado mundial de CRM.
“Esse é um serviço mais barato do que o tradicional, pois uma das vantagens da computação em nuvem é que o investimento em in­fraestrutura fica a cargo de quem desenvolve a tecnologia, e não do cliente”, diz Frank van Veenendaal, vice-presidente do conselho da Salesforce.
Os concorrentes diretos da empresa, a alemã SAP e as americanas Oracle e Microsoft, investem agora na migração para o modelo de CRM na nuvem.
Durante a conferência Dreamforce, em outubro, evento anual promovido pela empresa e que reuniu 140 000 pessoas em São Francisco, Benioff anunciou que a nova aposta da companhia é a análise de dados gerados por sensores e celulares, o chamado analytics market — mercado que movimenta 38 bilhões de dólares por ano.
Com seu característico jeitão espalhafatoso, Benioff esbanjou otimismo em relação ao futuro da empresa. O curioso é que, mesmo tendo um histórico respeitável no segmento de CRM e em projetos promissores, como o analytics market, a Salesforce opera no vermelho. No segundo trimestre, registrou 55 milhões de dólares em perdas operacionais.
Benioff defende-se dizendo que está investindo de forma consistente em contratação de pessoal, expansão de infraestrutura e aquisições. Até agora, o mercado tem concordado com essa estratégia. Nos últimos dez anos, o valor das ações se multiplicou por 10 e os analistas, como demonstram os últimos relatórios do banco Goldman Sachs, continuam dando recomendações de compra.
Nova fronteira
A história da Salesforce no Brasil iniciou antes mesmo da abertura de um escritório em São Paulo no fim de 2013. Multinacionais que já a conheciam no exterior tinham começado a usar seus serviços por aqui e logo ficou clara a importância do mercado brasileiro.
De acordo com a consultoria americana IDC, as vendas de soft­wares de gestão no Brasil devem alcançar 548 milhões de dólares em 2018 — um acréscimo de mais de 50% em relação a 2014. A dificuldade por aqui será convencer as empresas a abandonar seus servidores.
O segmento de CRM alocado em nuvem ainda representa menos de 30% do mercado — segmento do qual a Salesforce já detém 25% de participação por aqui.
No Brasil, a empresa enfrenta a concorrência direta também da SAP, da Oracle e da Microsoft (a brasileira Totvs, maior fabricante nacional de sistemas de gestão, foca soft­wares de controle de produção e de estoque, segmentos em que a Salesforce compete apenas marginalmente).
O que torna o mercado brasileiro ainda mais interessante para essas multinacionais é que muitas empresas operam na era do papel. “Uma quantidade imensa de pequenas empresas ainda faz uma gestão ma­nual de suas vendas e do marketing”, diz o analista Luciano Ramos, do IDC. 
A favor da Salesforce há uma campanha boca a boca de vários de seus clientes. “A ferramenta é ágil e tem nos ajudado a digitalizar toda a nossa operação”, diz Henk de Jong, presidente da multinacional holandesa Philips para a América Latina, que tem hoje cerca de 2 000 funcionários trabalhando com a plataforma da Salesforce.
Se a computação em nuvem deslanchar no Brasil, como muitos analistas preveem, a era dos softwares em servidores deverá realmente chegar ao fim — como prega Benioff aos quatro ventos.

Exame.com

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